
O anúncio de que o Ministério da Saúde está negociando um acordo com redes de fast food para proibir a venda de refrigerantes em refil - quando o cliente pode se servir diversas vezes por um preço fixo - despertou reações contraditórias. Houve quem considerasse a medida, ainda hipotética, um abuso da interferência do governo na vida do cidadão - até quem achasse a medida bem-vinda no combate à epidemia de obesidade. Por ora, a proibição dos refis de refrigerantes é apenas uma possibilidade no Brasil, mas medidas semelhantes já foram estudadas em outros países. Elas são certamente polêmicas, mas trazem algum resultado para diminuir os gastos públicos com problemas relacionados à obesidade?
Alguém já fez isso antes?
O que a ciência diz
São dados alarmantes, que impactam a saúde da população - e o bolso do contribuinte e das famílias. O ganho de peso está associado a doenças cardiovasculares, como as cardíacas e os acidentes vasculares), diabetes, problemas nas articulações e a alguns tipos de câncer, especialmente de endométrio, mama, ovário, próstata, fígado, intestino, vesícula e rins. Um levantamento do McKinsey Global Institute, um braço da consultoria de negócios McKinsey, divulgado em 2014, sugere que quase 3% da riqueza produzida no mundo é usada para combater os males gerados pela obesidade. No Brasil, o gasto do governo com essas doenças chega a R$ 3,6 bilhões por ano, segundo análise publicada em 2015 pelos médicos Denizar Vianna Araújo e Luciana Bahia, especialistas em farmacoeconomia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Analisando dados entre os anos de 2008 e 2010, eles concluíram que o Sistema Único de Saúde gasta, por ano, R$ 2,4 milhões com tratamento hospitalar de doenças relacionadas à obesidade e R$ 1,2 bilhões com tratamento ambulatorial.
Os gastos privados do brasileiros com saúde também aumenta por causa da obesidade. Pesquisadores das faculdades de Medicina e de Saúde Pública da Universidade de São Paulo calcularam, em um estudo publicado em 2015, que famílias com três ou mais pessoas com excesso de peso gastam R$ 380 a mais por mês, considerando gastos como o da compra de medicamentos para doenças crônicas, consultas médicas e exames. Se as pessoas forem obesas na casa, o custo sobe para cerca de R$ 750.
Qual é a culpa dos refrigerantes?
O consumo de açúcar em bebidas é especialmente preocupante. Nos últimos anos, os pesquisadores se dedicaram a entender em detalhes como a ingestão de açúcar afeta à sensibilidade do corpo à insulina, o hormônio liberado pelo pâncreas e que faz com que o açúcar entre nas células. Já há indícios de que o açúcar ingerido por meio de bebidas seria ainda mais perigoso do que aquele que vem nos doces e outros alimentos sólidos. Nosso corpo não se sente saciado e se acha no direito de abusar de outros alimentos depois. Nem os adoçantes artificiais parecem ser uma salvação: alguns estudos sugerem que eles podem contribuir para o ganho de peso a longo prazo porque enganam o cérebro. Continuamos com fome porque não registramos a ingestão de calorias e, ainda por cima, ficamos acostumados ao paladar doce para matar a fome.
Por esses motivos, os refrigerantes entraram na mira das autoridades de saúde pública. Reduzir o consumo parece uma parte fundamental da estratégia para conter o ganho de peso que leva a gastos de saúde que poderiam ser evitados.
E funciona?
A França adotou um tributo sobre bebidas que contêm açúcar e adoçantes em 2011, de 0,071 euro por litro, reajustado para 0,075 euro em 2015. Segundo um órgão do governo francês, houve redução no consumo da bebida, especialmente entre a população mais jovem e de baixa renda - mas ainda faltam informações mais detalhadas sobre os efeitos da medida em diferentes classes sociais. O México adotou em 2014 um estratégia um pouco diferente, adotou uma taxa a ser paga pelos fabricante de bebidas que levam açúcar, que aumentou em cerca de 10% o preço bebida. Os primeiros dados sugerem que no ano da adoção da taxa, as compras dessas bebidas diminuiu cerca de 6%. O maior efeito foi sentido entre as classes mais baixas, em que a redução das compras desses produtos foi, em média, 9% mais baixa, e chegou, em alguns casos, a 17%.Os Estados Unidos também resolveram experimentar a medida. Em 2015,a cidade de Berkeley, na Califórnia, foi a primeira do país a cobrar mais por bebidas açucaradas. Um estudo publicado no ano passado no American Journal of Public Health investigou as consequências. As pessoas entrevistadas disseram ter consumido 21% menos desse tipo de bebida quatro meses após o início da taxa. Em outras duas cidades que não participavam da iniciativa, usadas como base de comparação, o consumo aumentou 4% no mesmo período. Já o consumo de água em Berkeley cresceu 63% no período, enquanto aumentou apenas 9% nas outras duas cidades - um indício de que os habitantes substituíram as bebidas adoçadas por opções mais saudáveis. Outras cidades americanas escolheram seguir o mesmo caminho: em janeiro, uma taxa sobre bebidas adoçadas entrou em vigor na Filadélfia, no Estado da Pensilvânia, o que deve ocorrer também em Oakland, São Francisco e Albany, todas na Califórnia, e em Boulder, no Colorado. Nas eleições do ano passado, os eleitores dessas quatro cidades votaram a favor de uma taxa.
Ainda há poucos estudos que mostrem de fato o impacto sobre a saúde pública. Levará alguns anos até que se consiga medir se os índices de doenças cardiovasculares foram reduzidos, assim como os gastos de saúde com essas doenças. Por enquanto, os estudos conseguem medir uma redução no consumo o que, implicitamente, sugere que benefícios para a saúde devem ser colhidos no futuro.
A medida estudada pelo Ministério da Saúde aqui no Brasil - proibir os refis de refrigerantes - faz sentido do ponto de vista da saúde pública. É, inclusive, muito tímida. Desencoraja o consumo à vontade da bebida em algumas circunstâncias, mas não avança para mudar a fundo hábitos alimentares. Em teoria, ela pode contribuir para uma redução modesta no consumo - já que é localizada - e para começar a despertar a consciência da população sobre os riscos da obesidade. Mas, para causar uma mudança de grande impacto, é necessário ir além. Metas sérias para reduzir o uso de açúcar e taxas sobre esses produtos, a exemplo do que já acontece internacionalmente, também precisam fazer parte do cardápio.
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